sábado, 20 de junho de 2009


MARIPOSAS E CINDERELAS
Clívio

Nestes dias, passei algum tempo, em frente a uma belíssima loja de calçados, observando o comportamento das pessoas, e saboreando as delicias que o cotidiano nos mostra.
A vitrine, iluminada com luz néon, realçava com muita beleza tudo aquilo que ela exibia: calçados de todos os tipos e modelos, verdadeiras molduras para os pés. E era ali que as mulheres, tal qual mariposas, iam aderindo ao vidro , para poder observar melhor toda aquela beleza, para elas cheias de encantamento, Seus olhos atravessando o vidro, quase podiam tocar aqueles calçados, e em sua imaginação via-os um a um colocados em seus pés de princesa.
E neste momento, via de regra, ocorria a grande metamorfose: as mariposas, já muito indóceis e ansiosas, desgrudavam-se do vidro da vitrine e adentravam a loja, transformando-se em cinderelas. Cinderelas ansiosas por pegar aquelas maravilhas nas mãos e sobretudo, graça das graças, vesti-los e senti-los em seus pés.
E pudemos ver ainda cenas mais pitorescas, como aquela em que varias, exibiam para as vendedoras a beleza do calçado nos pés grandes, esquecendo-se totalmente de observar que metade do calcanhar estava sobrando, do lado de fora mesmo. Mas elas, felizes asseguravam que aquele sim era o seu tamanho, já preparando-se para leva-los para si. Pobres cinderelas, felizes mas corrompidas pela escravidão social, que pune aquelas com pés maiores. Criaram o estereótipo de que elegância é prerrogativa só das pessoas de pés pequenos . Quanta crueldade. E não aparece nenhum grupo de psicólogos e terapeutas , identificados com as verdades essências do povo, para em manifesto ir procurando romper essa crença tão nefanda, utilizando todos os recursos da mídia, para isso.
Outra ainda, após a escolha, difícil pela variedade daquilo que existe, e de se saber verdadeiramente qual aquele que mais se identificava com seu sonho, informar timidamente a vendedora: “ olha , meu marido não pode saber que estou comprando mais esse, senão ficará muito zangado comigo”. E isso se ouve com freqüência, mesmo que ela seja a dona daquele dinheiro, seja ela que com seus próprios recursos esteja presenteando a si mesma com aquilo que seu companheiro tirano, não tem a mínima sensibilidade para perceber. Outra tirania também cultural, perpetrada por verdadeiros vilões que sem perceber o gosto e a felicidade da mulher, bem ao alcance das mãos ( e dos pés), prefere posar de senhor provedor, a quem um gosto, um sonho satisfeito, que ele não consegue perceber, representa talvez um marco em sua vida e sobretudo uma garantia de que ela viverá mais e melhor.
Muitas vezes também, as cinderelas, já com seus pés abrigados, adornados e enfeitados por tanta beleza, fruto de escolha própria, pulam no pescoço de seus companheiros, beijando-os, como se o fato daquela compra representasse uma grande conquista. Até poderíamos nos surpreender com tanto ufanismo por tão pouco, mas estamos enganados. A felicidade estampada no rosto das cinderelas é indizível e nunca aquilo que pensamos pouco, seria capaz de despertar tamanha alegria e até gratidão.
E por último ainda aquelas que conseguem arrastar para dentro da loja, o companheiro, feito naquele momento de rara felicidade, seu assessor de moda, seu orientador de beleza, aquele que irá balizar e avalizar sua escolha , tornando-a duplamente feliz: por estar junto de e ao fazer sua vontade, alegra-la com aquele presente, invólucro de sonhos.
Certamente, essas cenas,se vistas por um José de Alencar, revivido, fariam-no dizer: que lindas patas de tantas gazelas para apreciar e doravante, não só um livro terei escrito, mas um grande tratado acerca da enorme beleza desses maravilhosos pés destas verdadeiras cinderelas.

2 comentários: