sábado, 20 de junho de 2009


Sonhar é preciso.
Clívio

A sociedade não tolera a inutilidade. Tudo tem que ser transformado em lucro. As pessoas estão tendo que passar no moedor de carne. Pelos discos furados, as redes curriculares, seus corpos e pensamentos vão passando. Todas são transformadas em uma pasta homogênea. Estão preparadas para se tornarem socialmente úteis. Pela formatura, ficam todos iguais, moldados pela mesma forma. Os jovens estão indo para os vestibulares. O moedor foi ligado. Dentro de alguns anos estarão formados. Serão profissionais. E o que é um profissional se não um corpo que sonhava e que foi transformado em ferramenta? As ferramentas são úteis. Necessárias. Mas, que pena, não sabem sonhar...
Quem era Leonardo? O da Vinci? Pintor, musico,, arquiteto, poeta, engenheiro, geólogo, biólogo.. Todas essas coisas. Dentro de seu corpo vivia um universo. Homem universal, ele foi a encarnação, num único corpo, do ideal da Universidade como lugar onde os homens se reúnem para, dando asas à imaginação, encontrar o deleite da visão, na compreensão e na harmonia com o mundo.
Hoje, a expressão Controle de Qualidade, ficou sendo uma expressão da moda. O que ele significa é muito simples: há de haver mecanismos que garantam que o produto final desejado esteja o mais próximo possível da perfeição com que ele foi idealizado.Mas acontece que o que estamos vendo vai além disso. A parte mais importante não é o controle de qualidade, mas o controle da qualidade do pensamento. É do pensamento que nascem os produtos. O mundo começa não na maquina , mas na inteligência.Por isso é que ao lado dos mecanismos de controle técnico, as organizações, de há muito, aprenderam que é preciso controlar o pensamento. Em seu livro “ O Homem Organização”, William H. Whyte Jr. Descreve tal processo como a domesticação de um gênio. O cientista deve abandonar sua imaginação divagante que o leva a andar pelos caminhos do seu próprio fascínio e tornar-se uma função dos objetivos determinados pelos interesses da instituição que o emprega. Ou seja, controle de qualidade do pensamento é cortar as asas da imaginação a fim de que se marche ao ritmo dos tambores institucionais. O pensamento se tornará excelente ao preço de perder sua liberdade. Quanto a Leonardo da Vinci, com certeza terá que contentar-se em permanecer desempregado.
O corpo é o lugar onde mora adormecido , todo o universo. Como na terra moram adormecidos os campos e suas mil formas de beleza, e também as monótonas e previsíveis monoculturas; como na lagarta mora adormecida uma borboleta; como em obedientes funcionários, moram Leonardos que voam pelo espaço sem fim dos sonhos...
Tudo adormecido...o que vai acordar é aquilo que a Palavra vai chamar. As palavras são entidades mágicas, potencias feiticeiras, poderes bruxos que despertam os mundos que jazem dentro dos corpos, num estado de hibernação como sonhos. Nossos corpos são feitos de palavras... assim podemos ser príncipes ou sapos, borboletas ou lagartas, campos selvagens ou monoculturas, Leonardos ou monótonos funcionários. Ao fim do processo biológico nossos corpos são um caos grávido de possibilidades, à espera da Palavra que fará emergir de seu silencio, aquilo que ela invocou. Um infinito e silencioso teclado que poderá tocar dissonâncias sem sentido, sambas de uma nota só , ou sonatas com suas incontáveis variações; A este processo mágico pelo qual a Palavra desperta os mundos adormecidos se da o nome de educação, formação, treinamento. Poucos se dão conta de que fascínio se encontra no poder da palavra, para fazer as metamorfoses do corpo. É no lugar onde a palavra faz amor com o corpo que começam os mundos...
Mas é preciso não ter ilusões. A palavra pode representar um feitiço que nos faz esquecer o que ou quem somos. A fim de criar-nos à imagem e semelhança de um outro. Não importa o nome que se dá a esse outro, para quem as pessoas são moldadas. Não importa o retorno econômico que se possa obter no fim do processo. Permanece um fato fundamental: que ele só se realiza ao preço da morte dos universos que um dia viveram, como possibilidades adormecidas no corpo das pessoas: todo Leonardo deve transformar-se em funcionário, toda borboleta em lagarta , todo campo selvagem em monocultura... Não é de se admirar portanto, que as pessoas passem sua vida com a estranha sensação de que não era bem aquilo o que desejavam, Elas foram transformadas em algo diferente dos seus sonhos e essa traição condenou-os à infelicidade.
É com este material humano que as empresas, que Recursos Humanos vão ter que lidar. É à partir dessa constatação da infelicidade humana que os programas deverão ser elaborados. É a única esperança de que possamos um dia vir a ver imagens sorridentes, alegres, contentes, felizes de pessoas indo para o trabalho. Sem enfado, sem enjôo, sem preguiça, mas com vontade e sobretudo sem medo de seu próprio dia, nem do amanhã.





















Nenhum comentário:

Postar um comentário